A heroica vitória do
povo de Deus
Numerosos são os invasores, mas não estão conseguindo conquistar Betúlia. E seus defensores, embora valentes, não se aventuram a enfrentar os 180 mil assírios fora das muralhas. Está criado um impasse.
Pior. Os agressores empregam uma tática cruel: fecham o acesso à cidade, não deixando entrar nem sair ninguém. A água é cortada.
Holofernes, o marechal, instalado no conforto de sua tenda, vive a vida de um pachá, esperando que a fome e a sede obriguem os hebreus a se renderem. E estes sabem que isto significaria terrível escravidão. Mas não têm meios de saírem dessa situação.
Redobram então as preces e sacrifícios ao Senhor Deus dos Exércitos, a única esperança.
E o auxílio divino surge de maneira totalmente inesperada! A ainda jovem mas respeitável viúva Judite, rica de bens, beleza e virtudes, se apresenta aos chefes, dizendo que conseguiria resolver o caso.
─ Deixem-me sair da cidade, e não me perguntem o que vou fazer.
Prepara com cuidado sua apresentação pessoal, como se fosse para uma solene festa, sem faltar perfumes e vistosas joias de ouro e pedras preciosas. Faz-se acompanhar de uma fiel criada, e leva alimentos a fim de não se contaminar com iguarias dos pagãos.
Para passar pelas barreiras inimigas, usa este discurso:
─ Tenho um recado confidencial de nossos chefes, para cochichar no ouvido do chefão de vocês.
Os sitiadores ─ com a vigilância enfraquecida por longa espera e muito vinho ─ as deixam passar, pois julgam que vieram trazer a tão esperada notícia da rendição. Em pouco tempo as duas damas se aproximam da espaçosa tenda do poderoso comandante dos exércitos de Nabucodonosor, de onde evolam alegres ruídos de festa.
─ Eles estão festejando a derrota de nossa gente. Mas não perdem por esperar ─ sussurra à criada a corajosa Judite, que não cessa de orar.
O quase cambaleante Holofernes não coloca dificuldade em acolher tão distinta dama, a qual calibra bem seu discurso:
─ Senhor marechal, resolvi fugir antes que seja tarde demais… Pois garanto-lhe que em cinco dias, devido à fome e à sede, esta praça cairá por vossas mãos em poder do seu senhor, o grande rei Nabucodonosor! Outras conquistas virão em consequência. Para tanto, conte com mais informações que esta serva poderá lhe prestar, em confidência.
Essa conversa ilude o experiente militar, que aliás alimenta segundas intenções em seu desregrado coração (cf Judite 12, 10)… Rute e Judite são
acomodadas da melhor forma possível, bem próximo aos aposentos de Holofernes, junto aos tesouros. Têm liberdade para circular, sair ao campo para rezar, facilitando assim a missão de nossa heroína, que pôde mapear a movimentação no alto comando agressor assírio.
Numa tardinha começa um banquete. Convidada, Judite comparece toda ataviada, para alegria do chefe, que não para de beber.
Chegada a noite, Holofernes está tão empanturrado com vinho, que tem de ser levado para a cama, onde cai num sono profundo, para felicidade das duas judias. A festa é encerrada.
─ Rute, chegou a hora! O pessoal todo já foi para suas respectivas tendas. Fique vigiando esta entrada, que eu vou fazer o trabalho!
─ Posso ajudar a senhora?
─ Sim, com suas preces. Eu já vi onde fica a espada dele, minha filha.
Pé ante pé, emocionada e com o coração batendo mais forte, Judite aproxima-se do leito do comandante, que está roncando. Pega na coluna a espada, e enquanto a retira da bainha, faz, confiante, esta prece:
─ “Senhor, dai-me força neste momento!”
Ela é prontamente atendida: ferindo-o duas vezes na nuca, decepa sua cabeça, que é colocada num saco (13, 9-11), deixando o corpo num charco de sangue (14, 14).
As duas saem tranquilamente pelo acampamento, contornam o vale e chegam às portas de Betúlia, onde a desolação não podia ser maior, pois já pensavam que elas estivessem presas ou mortas.
Entretanto, no soturno silêncio da noite, ecoa a voz cristalina de Judite aos guardas dos muros:
─ “Abri os portas, porque Deus manifestou o seu poder a favor de Israel!”
Entram, exibindo a cabeça do inimigo! Imagine quem puder, as explosões de entusiasmo daqueles corações antes angustiados!
Logo que foi possível fazer-se silêncio, Judite dirige ao povo inflamada proclamação, dando graças a Deus pela estupenda vitória, e por não ter sido atingida em sua integridade moral. Secundada pelos chefes do povo, ela instrui a todos que, logo ao raiar da aurora, coloquem a cabeça de Holofernes bem visível na muralha, e avancem para o combate! Quando os inimigos perceberem que o chefe foi degolado, haverá uma debandada geral! “O Senhor os esmagará sob vossos pés” (14, 4).
Dito e feito. Muitos mortos e prisioneiros. Os que conseguiram escapar, fugiram de mãos vazias. Os israelitas demoraram um mês para recolher os despojos, que enriqueceram toda a população. Os tesouros de Holofernes foram dados pelo povo a Judite, merecidamente.
O ato de coragem desta heroína marcou profundamente a história de Israel.
A Igreja Católica considera Judite uma prefigura de Nossa Senhora. #